O custo da evolução contábil para a incorporação imobiliária no Brasil

O mercado de incorporação imobiliária foi destaque em uma recente matéria da revista The Economist, realizada em 22 regiões do globo. A pesquisa foi feita através de um indicador traçado entre o preço de venda e aluguel das unidades imobiliárias e compreendeu o período de 1997 a 2011.

A pesquisa revelou que o preço de venda dos imóveis na Austrália está 56,4% acima da média dos preços de aluguel, assim como na França e na Espanha estão superiores em 48% e 43,7%, respectivamente. Países como Alemanha (-12,2%) e Japão (-35,2%) são lugares onde é mais barato adquirir do que alugar uma unidade imobiliária.

Surpreendentemente, o Brasil não é mencionado na matéria. Talvez a dificuldade esteja na comparabilidade entre as informações financeiras geradas pelos mercados externo e brasileiro.

Dificuldades de comparabilidade também vêm sendo encontradas nas demonstrações financeiras produzidas em outros mercados e no Brasil, mesmo com as mudanças na contabilidade, convergindo para as normas internacionais de relatório financeiro (IFRS). Aspectos como reavaliação de ativos, ativo diferido e reconhecimento de receitas ainda representam divergências de práticas e necessitam ser convertidos da norma nacional para as IFRS.

A reavaliação, que consiste na adoção do valor de mercado em substituição ao valor original dos bens, não é tecnicamente uma diferença de prática. A reavaliação está prevista nas duas normas, mas não pode ser efetuada no Brasil por proibição imposta pela Lei no 11.638/07.

Em relação ao ativo diferido, que foi utilizado para o registro de despesas pré-operacionais até 2008, a norma do Brasil permitiu que o saldo fosse mantido até a sua completa amortização. Nas IFRS este grupo de contas não existe.

Especificamente, para o setor de incorporação imobiliária, há outra diferença. Ambas as normas estabelecem que a receita seja reconhecida quando ocorre a transferência dos riscos e benefícios da propriedade dos imóveis. A questão é que as práticas contábeis adotadas no Brasil seguem a Orientação OCPC 04, editada pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC). Na maioria dos casos, aplicando-se o OCPC 04 (que não se confunde com a Legislação do Imposto de Renda em vigor), deve ser apurado o percentual do custo incorrido dos empreendimentos, em relação ao seu custo total orçado (achando a porcentagem de conclusão – POC), sendo esse percentual aplicado sobre a receita total das unidades vendidas. Nos países onde os indicadores básicos (que determinam se essa transferência ocorre de uma só vez ou de forma continuada) são diferentes daqueles estabelecidos na OCPC 04, o reconhecimento da receita pode ocorrer de forma completamente diferente.

Os indicadores básicos de transferência contínua de riscos e benefícios na venda de unidades imobiliárias no Brasil deverão ser objeto de análise pelo International Financial Reporting Interpretation Committee (IFRIC), que é um comitê que interpreta as IFRS. Os resultados dessa análise podem gerar impactos na aplicação do OCPC 04 e fazer com que as incorporadoras imobiliárias tenham que revisar os critérios de reconhecimento de receitas no Brasil.

Com a mudança do reconhecimento da receita, a estimativa é que ocorra uma redução média de 43% no lucro líquido e de 25% no patrimônio líquido das empresas do setor, segundo estudo elaborado em 2010 pelo Credit Suisse. O impacto seria mais grave em empresas que possuem obrigações atreladas a indicadores financeiros (cláusulas restritivas de empréstimos, por exemplo), podendo alterar até o perfil da dívida junto a instituições financeiras.

A convergência das normas contábeis brasileiras para as IFRS representa um avanço indiscutível para o Brasil, mas, tratando-se de incorporação imobiliária, fica a pergunta: a que custo?

Hugo Tabosa Torres é membro fundador do IBEF Pernambuco e gerente de auditoria da PwC.


E-mail: hugo.tabosa@br.pwc.com

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